Daniel Soranz é médico sanitarista, mestre em políticas públicas de saúde e doutor em epidemiologia. Foi Secretário Municipal de Saúde na gestão Eduardo Paes de 2014 a 2016, quando idealizou as Clínicas da Família e conduziu a organização da rede durante os jogos olímpicos e na epidemia de H1N1, em 2009, pela Prefeitura do Rio. Atualmente é professor pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e coordenador do laboratório de inovação à atenção primária.
Conhece muito bem o mapa-da-saúde-carioca, a ponto de saber de cor o número de leitos no Rio e quantos deles estão fora de linha, digamos assim. Soranz anda com muito do seu tempo dedicado à Covid-19: “Defendo respeitar a vida e cuidar para não se infectar e não infectar as outras pessoas. Sabemos que muitas atividades são essenciais à subsistência e, por isso, devemos garantir que estas, e somente estas, nos coloquem em risco”. Leia sua entrevista.
1- Quais os desafios para o novo ministro da Saúde, Nelson Teich?
O principal desafio para o novo ministro é ampliar a capacidade de oferta de serviços de saúde para os pacientes com Covid-19, o que só será possível se conseguir uma integração entre as três esferas do governo e a saúde suplementar.
2- Quais lições podemos aprender com outros países onde já existem números de casos e de mortes elevados?
A principal lição que podemos aprender com os demais países, principalmente com a Itália e a China, é que se deve ampliar o contato remoto com os pacientes por Internet e telefone, a exemplo do que foi feito pela Secretaria de Estado do Rio de Janeiro com o 160. Além disso, é necessário que não se misture o atendimento dos sintomáticos respiratórios com suspeita de Covid-19 com os demais pacientes.
3- Considerando que o número de casos pode aumentar muito, como separar esses pacientes?
Para isso, é necessário abrir polos específicos de cuidado aos casos de coronavírus em cada uma das grandes comunidades do Rio, a exemplo do que fez a cidade de Mesquita, ou como foi feito em 2009, na epidemia de gripe suína. Deveriam ser abertos, no mínimo, cinco polos de atendimento por área da cidade, para evitar o fluxo de pacientes. Esses polos ajudariam a mapear a circulação dos casos, entregar medicação e colher os testes-diagnósticos. Além disso, identificariam rapidamente os pacientes graves, permitindo um tratamento precoce nos casos de insuficiência respiratória.
4- Alguma área da cidade já necessita desses polos? Já existe número de casos suficientes para isso?
Sem os polos e sem fazer a testagem dos sintomáticos nas comunidades, não conseguiremos mapear a circulação do vírus corretamente. Na Rocinha e no Alemão, já sabemos de casos de óbitos, inclusive, certamente subnotificados. Nessas duas áreas, é urgente montar uma estrutura de atendimento e vigilância sentinela para identificar os casos.
5- Muito se discute sobre a implantação do hospital de campanha no Riocentro. Você acha que vai ser necessário?
Hoje, no Rio, temos 9.901 leitos SUS. Infelizmente, por falta de recursos humanos, insumos e mesmo camas quebradas, 1.865 leitos estão fechados. E têm que ser imediatamente reabertos para receber esses pacientes. Depois, ainda há estruturas que, com a suspensão das cirurgias eletivas, estão vazias; por exemplo, o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), um hospital de 350 leitos, hoje tem mais de 200 leitos livres. Esse hospital possui a melhor estrutura da rede SUS e melhor que muitos hospitais da saúde suplementar, além de ter um parque para exames de imagem de primeiro mundo. Na minha opinião, não faz sentido montar uma estrutura provisória antes de ocupar as unidades que já existem.
6- Então, não seria necessário montar hospitais de campanha?
Pode ser que seja necessário, mas deve-se pensar em estruturas que tenham capacidade de atender à complexidade que esses pacientes necessitam e que sejam estruturas que fiquem de legado. Montar uma estrutura de milhões de reais e desmontá-la em poucos meses é desperdiçar recursos públicos que serão preciosos neste momento.
7- Você acredita que o novo ministro, por ser do Rio, vai interferir na organização da rede aqui da cidade?
Certamente, o Ministério da Saúde tem essa responsabilidade com a população carioca e fluminense. Espero que ele consiga agregar os atores políticos e organizar a rede; por ser carioca, tem essa dupla responsabilidade.
8- E quanto ao isolamento social tão debatido, você acha que vai haver mudanças nos rumos no Ministério da Saúde?
Nunca o Ministério da Saúde defendeu o isolamento social radical em todos os lugares; isso ocorreu por decisão de alguns governadores. O ministério sempre defendeu uma ação inteligente de isolamento em áreas de circulação viral. Acredito que o Nelson Teich vá manter a estratégia que é utilizada pela maioria dos países do mundo.
9- Na sua opinião, pode ter ocorrido alguma politização nessa questão do isolamento social?
Nessa queda de braço entre o Presidente Bolsonaro e os governadores do Rio e São Paulo, o jogo político ficou evidente. Houve erro dos dois lados. Por exemplo, reduzir a frota não faz sentido porque aumenta o número de pessoas nos pontos e a densidade de pessoas por ônibus, facilitando a transmissão. Também não faz sentido o presidente participar de corpo a corpo com correligionários em padaria ou inaugurações. Em poucos meses, esta pandemia vai passar, e espero que ela nos faça refletir o real valor da vida e o que realmente importa!
Fonte: lulacerda.ig.com.br