No penúltimo dia de competições do atletismo nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, Ricardo Gomes de Mendonça conseguiu sua medalha de bronze nos 200 metros rasos masculino, classe T37, para atletas com paralisia cerebral.

Ele fez o tempo de 22s62 e terminou em terceiro, atrás do norte-americano Nick Mayhugh, que fez 21s91, e do atleta do Comitê Paralímpico Russo, Andrei Vdovin, que ficou com a prata.

A medalha de Ricardo deixa o Brasil na sétima colocação com 20 ouros, 15 pratas e 27 bronzes, totalizando 62 medalhas.

O país tinha até horas atrás 21 medalhas de ouro, mas por recurso chinês o atleta do arremesso de peso, Thiago Paulino perdeu o lugar mais alto do pódio.

RESSIGNIFICANDO A VIDA

Há sete anos, Ricardo Gomes de Mendonça, de 30 anos, natural de Natividade (região do interior do Rio de Janeiro) levava uma vida normal em Itaperuna (RJ). Até sofrer acidente de trabalho: uma escada caiu sobre seu braço direito impedindo movimentos. Ele descreve os sofrimentos: vieram cirurgias e a sequela neurológica. Tudo que abalaria e transformaria a rotina diária de um cidadão do noroeste fluminense. Afastado das atividades, teve muito mais que o suporte afetivo da esposa Lívia. Do grande amor viria a alegria para amenizar a dor: o nascimento do filho Leonardo.

No entanto, a parte interior não conseguia aceitar o fato trágico de forma a superá-lo. Além da dedicação ao trabalho, era praticante de esporte: algo que vinha desde a adolescência na cidade de origem: esteve no projeto do professor Antônio Carlos Popó. E foi graças ao retorno ao atletismo que conseguiu ressignificar a vida.

Um médico na sua cidade, que se tornaria amigo pessoal, observou nele uma pessoa totalmente abalada psicologicamente, entristecido e refém de medicação excessiva. Sendo necessário recorrer à terapia para manter a autoestima. Do encontro, Ricardo foi estimulado, inicialmente, a voltar ao esporte para se divertir. O despertar da porção esquecida do competidor aflorou.

Passou depois a etapa de estudante-atleta. Cursando Educação Física na FUNiTA (Fundação Universitária de Itaperuna), foi bicampeão universitário dos 100 metros, com recorde nacional de 11 segundos e 18 centésimos. Tornou-se paratleta e conquistou três medalhas do circuito Caixa.

O representante da classe T37 (competidores com sequelas físico-motora devido à lesão encefálica) deixou o Rio transferindo-se ao interior de São Paulo. Seguiria motivado à nova oportunidade na APC (Associação Paralímpica de Campinas) sob a orientação do técnico João. Segundo Mendonça, na entidade teve acompanhamento balizado com várias indicações de exercícios com musculação, bicicleta ergométrica e uso do querobel (kettlebell) – aparelho composto de uma bola de ferro e alça utilizado para desenvolver força, potência e condicionamento cardiovascular.

A supervisão do treinador era humanizada. Durante a pandemia não parou; voltando a trabalhar em Itaperuna. Em mais um passo na trajetória, seguiu, posteriormente, a trabalhar no CTP (Centro de Treinamento Paralímpico), em São Paulo. Coordenado pelo técnico Fábio Dias, o principal responsável e incentivador por ter conseguido o índice técnico para ir à Tóquio.

Um mês antes da disputa da seletiva na capital paulista, sua vontade era desistir. Teve tratamento que qualifica como único pela proximidade e diálogo. Além disso, Mendonça também destaca o apoio de amigos como Cristian Gabriel (T37), que já tinha conquistado índice há dois anos em competição em Dubai. ”Fui motivado por ele (Fábio). E de forma sensível pois ninguém é tratado como número”, afirma.

A caminhada de Mendonça é dura (não tem patrocínio), porém seu esforço foi recompensado; viu sua classificação chegar em junho. Seu primeiro sonho. Obteve o índice nos 200 metros com o tempo de 23s02. Nesta classe, a exigência era de 23s31. A modalidade disponibilizou no geral 64 vagas (40 homens e 24 mulheres), sendo algumas delas já garantidas antecipadamente a quem foi campeão mundial em Dubai 2019.

Mendonça já projeta o futuro depois de formado em Educação Física: quer ser treinador. Talvez pela inspiração daqueles que o permitiram chegar até este estágio dando a volta por cima.

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