A juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine absolveu sumariamente os 3 policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) pela morte do adolescente João Pedro, há 4 anos, em São Gonçalo. A família do rapaz e o Ministério Público do Rio de Janeiro esperavam que o trio enfrentasse um júri popular.

João Pedro Mattos Pinto morreu durante uma ação conjunta da Polícia Federal e Polícia Civil no dia 18 de maio de 2020. Na ocasião, o jovem brincava em casa com amigos quando, segundo familiares, policiais chegaram atirando. O menino foi atingido por um disparo de fuzil pelas costas e socorrido de helicóptero, mas não resistiu.

Os agentes Mauro José GonçalvesMaxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister eram réus no caso, por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e fútil, e respondiam em liberdade.

O processo chegou às mãos da juíza no dia 29 de abril, para decidir se os policiais iriam a júri popular. No entendimento da magistrada, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no entanto, os 3 agiram em legítima defesa. A decisão saiu nesta terça-feira (9).

Na decisão da absolvição, a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine afirmou que, “após a análise das 3 peças técnicas, houve troca de tiros dentro da residência” de João Pedro.

“Os réus no momento do fato encontravam-se no local do crime, em razão de perseguição a elementos armados. Após os inúmeros disparos já na área externa da casa, houve uma pausa, momento em que fora lançada, por parte dos traficantes, um artefato explosivo artesanal em direção aos policiais”, descreveu.

“Todos os agentes confirmam que após o lançamento desse artefato explosivo os disparos se reiniciaram, de forma que fora possível visualizar um dos traficantes adentrando a casa”, prosseguiu.

“Sob esse panorama, a fim de repelir injusta agressão, os policiais atiraram contra o elemento que teoricamente se movimentava em direção ao interior da residência”, emendou.

“Vale destacar que embora seja cediço que houve a morte de um adolescente inocente, a vítima João Pedro, é necessário entender, com apego à racionalidade, que a dinâmica dos fatos, como narrada e confirmada pelos diversos laudos anexados ao processo, não pode ser inserida em um contexto de homicídio doloso por parte dos policiais. Isso porque, no plano da tipicidade, o aspecto subjetivo já não se completa, haja vista a clara ausência de dolo, uma vez que não houve qualquer intenção de matar o adolescente”, destacou.

“Nessa linha de raciocínio (…), é imperioso entender que os policiais, à primeira vista, agiram sob um excludente de ilicitude, a saber: a legítima defesa. Assim, o reconhecimento da absolvição sumária dos réus se impõe.”

Pai: ‘Não pode ser normal’

Neilton da Costa Pinto, pai de João Pedro, anunciou que vai recorrer.

“Não concordo com essa decisão da juíza. Não pode ser normal efetuar vários disparos dentro de um lar familiar, de pessoas de bem, e depois de 4 anos a Justiça achar que isso é normal. Os réus têm que ser responsabilizados pela Justiça.”

Relembre o caso

João Pedro, que na época tinha 14 anos, foi baleado e morto durante uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana.

Segundo as investigações, o tiro de fuzil que atingiu uma pilastra de concreto e um fragmento acabou atingindo as costas de João Pedro, que estava deitado no chão da casa junto com dois amigos, partiu da arma de um policial. E a casa do tio dele, onde ele brincava com outras crianças, ficou com mais de 70 marcas de tiros.

Quase dois anos depois do assassinato do jovem, a Justiça aceitou a denúncia do MPRJ contra os policiais civis Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister. Os agentes também foram denunciados por fraude processual, mas também foram absolvidos dessa acusação.

Na segunda audiência de instrução e julgamento, em 2022, uma testemunha de acusação que presenciou a morte de João Pedro afirmou não lembrar de criminosos armados perto da casa onde o jovem foi morto por policiais.

A afirmação vai contra a versão dada pelas polícias Civil e Federal na época. As instituições de segurança informaram que traficantes da região pularam o muro da casa onde João estava. Segundo eles, os criminosos dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes.

Na época, a família e testemunhas afirmaram em depoimento que os policiais chegaram atirando e que a cena do crime foi alterada pelos acusados, na intenção de criar vestígios de um confronto com criminosos. O que, ainda de acordo com as investigações, não ocorreu.

Tiros na parede da casa onde morava João Pedro — Foto: Arquivo pessoal

Tiros na parede da casa onde morava João Pedro — Foto: Arquivo pessoal

O MP apontou que os denunciados plantaram no local diversos explosivos, também uma pistola da marca Glock, calibre 9 milímetros, e posicionaram uma escada junto ao muro dos fundos do imóvel.

O Ministério Público fez a reconstrução do crime em realidade virtual e concluiu que o tiro que matou João Pedro saiu da arma de um dos policiais.

A juíza, no entanto, afirmou que a reprodução simulada virtual realizada pelo Ministério Público produziu um laudo unilateral, com tecnologia não acessível às partes. A magistrada ainda destacou que o documento criado com base na realidade virtual é diferente da realidade dos fatos.

“Para confecção da referida peça (laudo) escolheu o depoimento da informante Maria Eduarda para dar maior credibilidade. Tal atitude não se justifica, eis que um perito imparcial consideraria todas as falas, para reproduzir ao máximo o ambiente do momento do fato. Não observou ainda os objetos encontrados pela perícia realizada no local no dia dos fatos, como granada e arma de fogo”, diz a decisão.

Por fim, a magistrada diz que o laudo assinado pela pela perita Maria do Carmo Gargaglione não pode ser considerada como prova. “Não há como se atribuir o mesmo valor probatório a esse laudo, na medida em que não foi realizado por órgão estatal desprovido de qualquer parcialidade. Não há previsão legal para que uma das partes produza laudo técnico e a esse se atribua a qualidade de laudo pericial”.

Em setembro de 2023, durante nova sessão do julgamento, o policial civil Fabio Vieira Rodrigues, que estava em uma aeronave durante a operação, negou a versão da família de João. Ele afirmou que avistou mais de um criminoso circulando perto da casa que era o alvo da operação, a cerca de 80 metros da casa do João Pedro.

O principal argumento da defesa dos policiais acusados é de que os agentes só entraram na casa onde estava o jovem porque estavam perseguindo um criminoso, e que houve sim um confronto.

Meses antes desse depoimento, o Governo do Estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar uma indenização aos pais de João Pedro. O poder estadual deve pagar dois terços de um salário mínimo para o pai e a mãe até a idade que ele completaria 25 anos e depois um terço até a data que o filho completaria 65 anos.

Deixe uma resposta