O Brasil recuperou o certificado de país livre do sarampo, rubéola e Síndrome da Rubéola Congênita (SRC), que havia sido perdido em 2019. O anúncio foi feito pelo diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, em evento na sede da entidade, em Brasília, junto à ministra da Saúde, Nísia Trindade, nesta terça-feira.
— Essa é uma vitória do Brasil, do povo brasileiro. A cada vacinador, a cada pessoa vacinada e àquelas que infelizmente não tiveram a vacina quando precisaram, eu dedico esse dia — celebrou a ministra durante o evento.
O presidente da Câmara Técnica do Brasil de Verificação da Eliminação do Sarampo, Rubéola e Síndrome da Rubéola Congênita, Renato Kfouri, destaca que a recertificação é resultado de um conjunto de esforços para ampliar a vacinação e impedir a disseminação de novos casos.
— Para mantermos o país certificado como livre de circulação do sarampo são vários fatores que precisamos cumprir que envolvem a cobertura vacinal, a vigilância de casos suspeitos, ações para impedir a transmissão. Conseguimos cumprir todos eles para garantir que não temos mais casos locais da doença. Foi um esforço grande, especialmente num país como o nosso, com tantas diferenças e desigualdades — falou ao GLOBO.
O certificado havia sido concedido ao Brasil em 2016 e, nos dois anos seguintes, o país permaneceu sem registrar novos casos de sarampo. Em 2018, no entanto, o vírus voltou a circular e provocar surtos. Segundo dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, na época a cobertura com as duas doses da tríplice viral, imunizante que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, estava pelo quarto ano seguido abaixo de 80% – distante dos 95% preconizados pela pasta.
Em 2019, os casos da doença explodiram, chegando a cerca de 21 mil no ano. Devido aos novos surtos e à circulação da mesma versão do patógeno por mais de um ano, o Brasil perdeu a certificação recebida três anos antes.
— Perdemos porque entraram casos no país que encontraram uma população não vacinada, e o vírus voltou a circular. Tivemos cerca de 40 mil casos em três anos, 2018, 2019 e 2020. O mundo não está livre do sarampo, só a Europa neste ano registrou mais de 30 mil casos. Então temos que fazer nossa lição de casa, que é manter alta a cobertura vacinal e fazer a vigilância epidemiológica, para eliminá-lo aqui — diz Kfouri, que é também vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Desde 2022, não há mais novos diagnósticos de sarampo que tenham sido contraídos dentro do Brasil – todos os registros foram de indivíduos que vieram do exterior. O último caso local foi confirmado em 5 junho daquele ano, no Amapá. Neste ano, por exemplo, foram registrados quatro casos, mas todos de pessoas que retornaram de outros países.
— Os casos eventuais que aconteceram nesse ano, e que vão continuar acontecendo, são importados e não estão gerando casos secundários locais, ou seja, a vigilância estava atenta, a detecção foi precoce e conseguimos impedir uma cadeia de transmissão — explica o especialista.
Em 2023, o Brasil obteve a elevação de status de “país endêmico” para “país pendente de reverificação” da doença, um primeiro passo. Neste ano, começou as tratativas para recuperar o certificado. Depois de diversas reuniões e visitas técnicas da Opas, o status foi concedido novamente ao país. O Brasil era o último da América pendente de ser declarado livre da doença, lembrou o diretor da Opas, Jarbas Barbosa.
— Com essa certificação do Brasil, a região das Américas se torna a única do mundo livre do sarampo. Mas não esqueçamos que a doença continua a existir no mundo, na Europa, na Ásia, e teremos casos importados de sarampo. Então manter o binômio vacinação elevada e homogênea e uma vigilância sensível é fundamental — afirmou durante o evento desta terça.
O objetivo de erradicação, que seria uma eliminação global, como ocorreu com a varíola, é distante, diz Kfouri: — É possível porque assim como a varíola, a pólio, ela só afeta humanos, não tem outros hospedeiros animais. Mas estamos muito longe.
Para continuar com os avanços, ele destaca que “a vacinação é o pilar fundamental”. Nesse quesito, o Brasil tem melhorado nos últimos anos, porém desde 2014 não ultrapassa a cobertura de 90% com a proteção completa das duas doses. Neste ano, de acordo com o painel do Ministério da Saúde, 91,2% receberam a primeira aplicação, e 81,3% completaram o esquema vacinal.
— Estamos melhorando, interrompemos as quedas em 2022 e elevamos a cobertura em 2023. Provavelmente vamos fechar em 2024 com pouco mais de 90% com a primeira dose, então ainda mais alta. Mas ainda precisamos avançar, claro, especialmente com a segunda dose, porém vemos uma melhora que é fruto do bom trabalho do Programa Nacional de Imunizações (PNI) — diz Kfouri.
O imunizante, que está disponível na rede pública, é aplicado a partir do primeiro ano de vida. No calendário da criança, a primeira dose é orientada aos 12 meses, e a segunda, aos 15. O PNI oferece ainda a proteção de forma gratuita para pessoas mais velhas que não tenham sido vacinadas.
Para aqueles com até 29 anos, o esquema é feito em duas doses no intervalo de ao menos um mês entre elas. A SBIm recomenda que sejam no máximo dois meses de espera. Já para adultos entre 30 e 59 anos que não tenham sido protegidos previamente, a vacinação é feita com apenas uma dose.
— É importante destacar o que foi feito. Fizemos o microplanejamento em todo o país, promovemos o monitoramento de estratégias de vacinação, a vacinação escolar, fizemos a multivacinação e melhoramos nossos indicadores. Também melhoramos nossa vigilância, com insumos para laboratórios, fizemos o dia S, para fazer busca ativa de sintomáticos (…) Agora temos o reconhecimento internacional — disse Eder Gatti, diretor do PNI, durante o evento desta terça.
Pelo mundo, no entanto, recuperar a cobertura vacinal tem sido um desafio. Segundo a OMS, apenas 83% das crianças receberam a primeira dose em 2023, e 74% a segunda, os mesmos números do ano anterior. Com isso, quase 35 milhões ficaram com pouca ou nenhuma proteção.
Paralelamente, houve mais de 300 mil casos de sarampo registrados no ano passado, um aumento de quase três vezes em comparação com 2022. De acordo com a organização, nos últimos cinco anos, cerca de 103 países tiveram cobertura vacinal inadequada, em contraste com os 91 países onde a cobertura superou 90% e que não registraram surtos.
Além disso, na coletiva de imprensa em que anunciaram esses dados, especialistas da organização lembraram que a vacinação é uma das maiores conquistas da humanidade, tendo salvado mais de 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos, segundo uma estima recente, e com a proteção contra o sarampo sendo responsável por cerca de 60% delas.
Fonte: O Dia