Câmara de Linhares, no Norte do Espírito Santo, deve votar nesta segunda-feira (3) uma resolução que mais do que dobra o subsídio dos vereadores. A votação é fruto de um Termo de Compromisso em Gestão (TCG) assinado com o Ministério Público Estadual (MPES), que obriga a Casa de Leis, além de aprovar o reajuste, ainda a conceder férias remuneradas e 13º para os parlamentares da cidade e a aumentar o número de servidores nos gabinetes.

Com a aprovação, os vencimentos dos vereadores de Linhares vão saltar dos atuais R$ 6.192 para R$ 12.500, o que representa um aumento de 101%. Para o presidente da Câmara, o percentual será de 38%, partindo de R$ 11.692 e ficando em R$ 16.250

A previsão é que as matérias sejam apreciadas em sessão ordinária às 18h desta segunda. O MPES impôs multa de R$ 10 mil, por vereador, caso os projetos não sejam pautados e apreciados em plenário, conforme o documento assinado no último dia 28 com o promotor Danilo Raposo Lírio, da 4ª Promotoria de Justiça Cível de Linhares, ao qual a reportagem de A Gazeta teve acesso. 

Termo de Compromisso assinado entre MPES e Câmara de Linhares obriga vereadores a estabelecer novo salário e a conceder 13º e férias aos vereadores

Termo de Compromisso assinado entre MPES e Câmara de Linhares obriga vereadores a estabelecer novo salário e a conceder 13º e férias aos vereadores. (Reprodução)

O termo, no entanto, não esclarece os motivos pelos quais o órgão ministerial impôs tais condições, como o aumento dos salários. Apenas indica que a assinatura do acordo está no escopo de um inquérito civil aberto em 2009, sobre atos de improbidade administrativa. 

Procurado pela reportagem para explicar o termo firmado com a Câmara de Linhares, bem como as determinações contidas nele, o Ministério Público manifestou-se por nota. No texto, informou ter atuado para que “os projetos sigam parâmetros de transparência, responsabilidade fiscal, legalidade e anterioridade relativamente à fixação de recomposição de perdas vencimentais, que somente terão vigência para a próxima legislatura”.

As perdas vencimentais a que se referem o texto do MP dizem respeito à ausência de reajuste nos subsídios dos vereadores de Linhares. Desde janeiro de 2009, o valor está fixado nos mesmos R$ 6.192. A inflação acumulada no período, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é de 145%. 

Trecho do documento assinado com vereadores fixa multa de R$ 10 mil por dia de descumprimento, destinado ao Fundo Especial do Ministério Público do ES

Trecho do documento assinado com vereadores fixa multa de R$ 10 mil por dia de descumprimento, destinado ao Fundo Especial do Ministério Público do ES. (Reprodução)

A concessão de reajuste, no entanto, não estava nos planos dos vereadores, que assumiram seus mandatos na Câmara de Linhares em 1º de janeiro. No texto da resolução prevista para ser votada nesta segunda, o presidente da Casa de Leis, vereador Roninho Passos (Podemos), cita como justificativa da medida o termo assinado com o MPES.

“Pretende-se com a presente proposição dar cumprimento à obrigação assumida por esta Câmara Municipal no âmbito do Termo de Compromisso em Gestão, formalizado junto ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo”, diz o texto. 

Apesar de exigir a fixação de novos valores para o subsídio dos vereadores a partir da legislatura que se inicia em 2029, o Termo de Compromisso de Gestão não impõe o percentual de reajuste a ser aplicado. Mas indica que deve haver atualização inflacionária com base no período que vai de 2009 a 2024.

Para fins de contextualização, em apenas uma cidade do Espírito Santo que tem entre 100 mil e 200 mil habitantes, caso de Linhares, o subsídio dos vereadores passa de R$ 12.500. É o caso de Guarapari, na Região Metropolitana, em que o valor é de R$ 15 mil, aprovado em 2023 para a atual legislatura. São Mateus tem valor próximo, com R$ 12 mil.

Na sequência vêm Cachoeiro de Itapemirim, com R$ 10.514; Aracruz, com R$ 10.420; e Colatina, em que os vereadores recebem R$ 8.600. 

Medida “atípica”

Membros do MPES consultados por A Gazeta, sob condição de anonimato, apontam que a medida adotada pelo promotor é “atípica”. Com anos de atuação no órgão ministerial, as fontes foram procuradas pela reportagem para comentar qual seria a finalidade das exigências presentes no Termo de Compromisso de Gestão firmado com a Câmara de Linhares, especialmente a que trata sobre o reajuste dos subsídios e a concessão de 13º e férias dos parlamentares.

O dispositivo, conforme explicaram dois promotores de cidades distintas, funciona como um acordo visando a evitar a judicialização de ações que envolvem a administração pública. Entretanto, apesar de não apontarem irregularidade na assinatura, os mesmos membros do MPES destacaram que a prática é pouco comum no Ministério Público.

O órgão normalmente atua para minimizar os gastos nas cidades, a exemplo dos TACs. Já o acordo firmado entre a promotoria de Linhares e a Câmara de Vereadores gera, automaticamente, despesa aos cofres públicos e beneficia diretamente os vereadores, não a coletividade. A atualização do salário dos parlamentares na cidade tem impacto financeiro previsto de R$ 1,2 milhão por ano, segundo o projeto protocolado pela Mesa Diretora da Casa.

Já o MPES alega que o procedimento é de praxe. “Trata-se instrumento amplamente utilizado, regulado e fomentado pela Política Nacional de Resolutividade do Ministério Público, alinhado ainda com as premissas autocompositivas do Código de Processo Civil, privilegiando a atuação não adversarial do MP” (leia íntegra da nota mais abaixo).

Detalhes do acordo

O acordo firmado entre o MPES e o Legislativo linharense substitui um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pela Casa de Leis em 2019, fruto de inquérito civil que investigava, após denúncia anônima, suposta irregularidade nas nomeações de cargos comissionados na Casa de Leis.

A tramitação do inquérito começou em 2015. A investigação foi arquivada quatro anos depois, mediante o TAC firmado com os vereadores da época. Os documentos anexados já não estão disponíveis para consulta.

O TAC celebrado em 2019 impôs à Câmara várias medidas visando à contenção de gastos. Os vereadores, por exemplo, tiveram de reduzir de 11 para 7 o número de assessores por gabinete, segundo noticiou a própria Casa de Leis, na ocasião, em seu site oficial.

Já o acordo firmado entre o MPES e os vereadores no último dia 28 volta a aumentar a quantidade servidores comissionados por gabinete. Pela proposta que os vereadores são obrigados a apresentar em plenário nesta segunda, cada um dos 17 parlamentares da Câmara terá direito a mais 3 assessores, saltando de 7 para 10 o total de servidores à disposição dos gabinetes.

Aumento cancelado

Em novembro de 2019, os vereadores de Linhares chegaram a aprovar projeto que aumentava em 70% seus próprios salários, fazendo com que a verba saltasse, à época, de R$ 6.192,00 para R$ 10.918,10. A medida ainda incluía férias remuneradas.

No entanto, antes mesmo de ser enviada para apreciação do então prefeito, Guerino Zanon (PSD), a matéria foi arquivada pela própria Câmara. A decisão foi tomada após órgãos de controle da gestão pública, entre eles o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), terem orientado cautela ao Legislativo municipal, tendo em vista o cenário econômico da cidade na ocasião, segundo consta do histórico de tramitação do projeto na Casa de Leis.

Câmara diz seguir determinação

Em conversa com A Gazeta a respeito das matérias que terá de levar a plenário na sessão desta segunda, o chefe do Legislativo de Linhares sustenta que os projetos só serão apresentados e votados na Câmara em função da obrigação firmada com o MPES.

Aspas de citação

Sou vereador de primeiro mandato e não estava nos meus planos, pelo menos por agora, discutir e votar aumento de salário para vereador na cidade. Sabemos do impacto que esse tipo de projeto tem na opinião pública. Mas a apresentação desses projetos é uma das obrigações que firmamos com o Ministério Público, quando assinamos o Termo de Compromisso em Gestão

Roninho Passos (Podemos)

•Presidente da Câmara de Linhares

Aspas de citação

O procurador da Câmara de Linhares, Tharço Ferreira Demo, nos pareceres dos projetos, cita por mais de uma vez que as iniciativas a serem apresentadas e discutidas pelos vereadores são resposta a determinação do MPES. Ele também falou com a reportagem na noite de sexta-feira (31) e acrescentou haver uma decisão tramitando internamente no órgão ministerial, que tecnicamente obriga os vereadores não só a votarem, mas também a aprovarem os projetos citados no termo.

O que diz o MPES

O promotor da 4ª Promotoria Civil de Linhares, Danilo Raposo Lírio, que assina o documento com os vereadores, foi procurado para dar mais informações sobre o Termo de Compromisso Gestão e sobre a multa imposta aos parlamentares, caso os projetos não sejam aprovados. 

As respostas aos questionamentos feitos pela reportagem foram encaminhadas pela assessoria do MPES, na última sexta-feira (31). Veja abaixo, na íntegra, o que o Ministério Público respondeu acerca da iniciativa:

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Esse procedimento (assinatura do Termo de Compromisso em Gestão)  é praxe no MPES?

  • Sim, conforme Resolução CNMP N° 179/2017 e Resolução Colégio de Procuradores Nº 006/2014.

Por que o termo determina a apresentação de projetos que concedem benefícios aos próprios parlamentares?

  • O Termo de Compromisso não concede benefício algum, pois o mérito (conteúdo do projeto) é fixado pela Câmara. O MPES atuou para que os projetos sigam parâmetros de transparência, responsabilidade fiscal, legalidade e anterioridade relativamente à fixação de recomposição de perdas vencimentais, que somente terão vigência para a próxima legislatura.

Por que há a possibilidade de aplicação de multas em casos como esse? ?

  • Porque as Resoluções CNMP n. 179/2019 e COPJ Nº 006/2014, prevêem de forma expressa. Caso os projetos não atendam parâmetros fixados na Constituição, nas leis e no Termo de Compromisso, torna-se passível a aplicação da multa.

Quando a assinatura de termos de compromisso em gestão são utilizados como o exemplo do que ocorre em Linhares?

Trata-se instrumento amplamente utilizado, regulado e fomentado pela Política Nacional de Resolutividade do Ministério Público, alinhado ainda com as premissas autocompositivas do Código de Processo Civil, privilegiando a atuação não adversarial do MP.

Fonte: A Gazeta

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