Prefeitos de cinco cidades do Espírito Santo têm até o dia 6 de março para decidir se aceitam o Acordo de Mariana, que estabelece valores de reparação para os danos causados pelo rompimento de uma barragem de rejeitos de minério da Samarco. A decisão envolve uma outra escolha: será preciso deixar as ações judiciais movidas no exterior, sendo a principal delas o processo bilionário em julgamento na Inglaterra.
A exigência está prevista na repactuação. O desastre ambiental ocorreu há nove anos, atingiu o Rio Doce até o litoral capixaba, causando danos a onze cidades no Espírito Santo. Seis delas já aceitaram a proposta.
Para três prefeitos o tema já vinha sendo debatido desde a administração anterior, considerando que foram reeleitos. Outros dois, que assumiram em janeiro, vão ter que decidir durante a contagem do prazo de 120 dias, iniciado com a homologação do acordo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 6 de novembro do ano passado.
À coluna, alguns deles relataram que estão analisando as alternativas, mas que os cenários são complicados. As discussões principais envolvem pelo menos quatro pontos, considerados os de maior impacto: o valor a ser pago a título de reparação, o prazo, a forma de pagamento, e a quitação do escritório de advocacia.
O acordo estabeleceu um valor de reparação para as cidades, com base em uma proposta do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), e os impactos sofridos. Vai ser pago de forma parcelada, nos próximos 20 anos. Confira o total previsto para cada cidade:
- Aracruz – R$ 144,4 milhões
- Baixo Guandu – R$ 79 milhões
- Colatina – R$ 267 milhões
- Marilândia – R$ 39 milhões
- Sooretama – R$ 79 milhões
Já a indenização que resultar da ação que tramita na corte inglesa, conduzida pelo escritório Pogust Goodhead, poderá resultar em totais bem superiores, pagos à vista. Mas será preciso aguardar o resultado de todas as etapas do julgamento, previsto para o segundo semestre do próximo ano.
Recusa
O prefeito reeleito de Baixo Guandu, Lastênio Cardoso (MDB), decidiu recusar a proposta de repactuação. O valor a ser pago não atende aos interesses de sua cidade. “Vamos permanecer no processo que tramita na Inglaterra”.
Em entrevista à coluna no final do ano passado, ele explicou que a expectativa é de receber um valor nove vezes maior com a ação.
“A repactuação estabelece para minha cidade uma indenização de R$ 79 milhões, a ser paga em 20 anos. Pela ação inglesa vamos receber R$ 650 milhões, à vista. Como prefeito não posso abrir mão desse valor”, disse, na ocasião.
Reuniões
Os outros quatro gestores municipais têm se reunido com representantes da Samarco e com o escritório Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil vítimas na ação contra a mineradora e suas controladoras, a Vale e a BHP Billiton.
Genício Caliari, procurador de Colatina, pondera que há pontos positivos e dificuldades em todos os cenários. Com o acordo, a cidade receberia em junho a primeira parcela de R$ 13,3 milhões, de um total de R$ 267 milhões.
Já a ação depende das etapas de julgamento que estão em curso. “Mas o valor que seria destinado ao município é bem maior, cerca de R$ 3,2 bilhões”, relata.
E também pesa na decisão o pagamento ao escritório de advocacia, que oscila em torno de 20%, o que pode vir a comprometer parte do que receberem caso aceitem o acordo.
“Temos mais algumas rodadas de negociações e vamos utilizar todo o tempo que tivermos para analisar o cenário mais favorável à cidade e seus moradores”, destacou Genício.
Mudanças
Fernando Camiletti (Republicanos), prefeito de Sooretama, relata que desde que assumiu a gestão tem realizado estudos sobre o tema, com o apoio de sua equipe jurídica, e já elencou pontos que considera importantes e do interesse da cidade para que o acordo seja assinado.
“Enquanto aguardamos as respostas, as procuradorias da prefeitura e da câmara municipal analisam as condições gerais do acordo, para que, em conjunto, o Executivo e o Legislativo possam decidir a posição oficial do município”, informou, por nota.
Outro que está avaliando as melhores alternativas é o prefeito reeleito de Marilândia, Augusto Astori Ferreira, Gutim (PSB). Em nota informa que o objetivo é “assegurar que a reparação seja efetiva, adequada aos danos sofridos e alinhadas com os melhores interesses da população”.
Acrescenta que tem acompanhado a tramitação do processo na Corte Inglesa. “Ao mesmo tempo, mantemos um diálogo constante com todas as partes envolvidas, com o objetivo de assegurar que a reparação seja realizada de maneira justa e eficaz para todos os atingidos”.
Destaca ainda que a cidade integra o consórcio Coridoce. “Uma iniciativa que defende os direitos dos municípios atingidos pelo desastre, e tem procurado constantemente se envolver nos debates sobre a repactuação dos termos de reparação””.
O prefeito reeleito de Aracruz, Luiz Carlos Coutinho, o Dr. Coutinho (PP), informou por nota, que ainda está analisando os cenários.
O que dizem as empresas
Por nota a BHP informa que seguirá com sua defesa na ação do Reino Unido e nega os pedidos em sua totalidade. “A ação é desnecessária, pois duplica questões por processos judiciais perante as cortes brasileiras, pelos programas implementados pela Fundação Renova desde 2016 e pelo acordo recém-assinado no Brasil”.
Também por nota, a Samarco relatou que 12 municípios já aderiram ao acordo. Para os que formalizaram a adesão nos primeiros 20 dias após a homologação, foi realizado em dezembro repasse que somou R$ 26,8 milhões.
“Após esse período, os desembolsos serão realizados conforme os prazos estipulados no acordo. Os recursos são voltados à reparação e a iniciativas de fortalecimento ambiental e socioeconômico nas cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão”, diz, em nota.
Informa que “segue em diálogo com os demais municípios para viabilizar novos repasses e assegurar uma reparação definitiva dos danos provocados pelo rompimento”.
Acrescenta que, ao todo, 49 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo são elegíveis ao acordo, assinado pela Samarco, suas acionistas, União, governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, Ministérios Públicos Federal e Estaduais, Defensorias Públicas da União e Estaduais (MG e ES), entre outros órgãos públicos.
O escritório Pogust Goodhead representa 620 mil vítimas na ação contra a Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP Billiton. Aponta que os valores de indenização podem chegar a R$ 230 bilhões. Para as 49 cidades presentes no litígio é estimado que recebam R$ 52,4 bilhões, pagos à vista, quase nove vezes o valor de R$ 6,1 bi previstos na repactuação brasileira.
Na última semana, a corte inglesa ouviu o depoimento de um engenheiro indicado pela BHP, sobre as soluções que adotaram em relação aos problemas da barragem que rompeu. “Ele admitiu durante interrogatório que eles usaram uma ‘solução temporária’ para corrigir um problema na estrutura durante três anos, o que comprometeu a estabilidade da barragem”, relatou o escritório.
Fonte: A Gazeta