“O peso de quem não trouxe a medalha não é das jogadoras, é de quem não investe no futebol feminino brasileiro”.

A afirmação foi feita por Marta, a camisa 10 da seleção brasileira de futebol feminino, quando o país foi eliminado das Olimpíadas pelo Canadá, em uma disputa nos pênaltis, na última sexta-feira (30) — e essa não foi a primeira vez que ela criticou a falta de investimentos na modalidade feminina do esporte.

Marta é a maior artilheira das Copas, entre homens e mulheres, e foi considerada seis vezes a melhor jogadora do mundo — mesmo assim, a atleta de 35 anos e 5 Olimpíadas ainda precisa brigar para ganhar um salário justo.

Desde 2018, ela recusa patrocínios esportivos e entra em campo usando uma chuteira preta, sem marca definida, mas com o logo da campanha “Go Equal”, que luta por salários iguais no esporte.

Além disso, neste ano, ao fazer fotos oficiais para os Jogos Olímpicos, ela cobriu com o cabelo o símbolo da Nike, patrocinadora oficial dos uniformes da CBF, como um protesto silencioso contra o baixo investimento das marcas no futebol feminino — na década de 1990, a seleção comandada por Sissi se manifestava de forma bem semelhante: cobrindo os logos dos patrocinadores do uniforme com fita crepe, pedindo por mais valorização das mulheres no futebol.
Dados de 2018 mostram que, enquanto Marta recebia cerca de 340 mil por temporada (pouco mais de R$ 2 milhões, na conversão atual), Neymar, seis anos mais jovem, recebia 91,5 milhões (mais de R$ 556 milhões) — ou seja, os ganhos da artilheira seriam equivalentes a menos de 1% dos ganhos dele.

Mas, afinal, por que Marta ainda não ganha o mesmo que Neymar?

Para especialistas ouvidas por Universa, a pergunta está errada: “Deveríamos questionar por que Marta não ganha à altura da Marta, ou seja, à altura da trajetória que ela tem”, diz Olga Bagatini, mestre em jornalismo esportivo e especialista em futebol feminino.

“Quem conhece o futebol feminino não tem a pretensão de que os pagamentos sejam iguais, porque existem muitas desigualdades históricas. O que a gente reivindica é que as atletas do futebol feminino recebam o justo pelo que elas fazem, especialmente a geração da Marta, que é uma divisora de águas para a modalidade no Brasil”.

CBF equipara salários, mas mantém desigualdade

Tanto Olga quanto Mônica Esperidião, especialista em gestão e marketing esportivo, lembram que um dos principais fatores que deixaram o futebol feminino “atrás” do masculino em termos de patrocínio e investimentos foi a proibição de quase quatro décadas da modalidade — entre 1941 e 1979, mulheres foram proibidas de jogar bola no Brasil.

“A gente não pode ignorar o abismo histórico entre as modalidades [feminina e masculina]. Há pouco mais de 40 anos, éramos proibidas de jogar, e isso impacta diretamente a indústria esportiva”, explica Mônica. Olga completa: “Isso impacta também no desenvolvimento das atletas, nos salários e nos patrocínios”.

Para se ter uma ideia, há quatro anos, os homens da seleção brasileira ganhavam cerca de R$ 500 por treino, enquanto as mulheres recebiam metade deste valor, segundo levantamento da Folha de S.Paulo. E mais: quando jogavam fora do Brasil, eles recebiam em dólar e elas, em reais.

Desde o ano passado, no entanto, a CBF paga os mesmos salários a atletas homens e mulheres — isto é, enquanto estão convocados eles recebem o mesmo valor diário para treinar a representar o Brasil nos jogos; as duas modalidades também recebem os mesmos valores em bônus e premiações nas Olimpíadas.

Em parte dos campeonatos, como a Copa do Mundo, no entanto, os valores seguem bem diferentes: ao anunciar a igualdade de salários em 2020, a CBF informou que as premiações serão proporcionais ao repasse da Fifa para cada modalidade. Ou seja, se a Fifa cumprir a promessa de dobrar a premiação da Copa do Mundo Feminina, o valor será de US$ 60 milhões em 2023 (R$ 310 milhões), cerca de 15% dos US$ 400 milhões (mais de R$ 2 bilhões) que serão pagos aos homens em na Copa do Mundo de 2022.

Protestos de Marta ‘sobem régua’ para patrocínios

Outro problema, explicam as especialistas, está no interesse das marcas pelo futebol feminino. Ou melhor, no quanto as marcas estão dispostas a oferecer para patrocinar jogadoras de futebol — e é a respeito disso que Marta protesta, usando a chuteira sem patrocínio e cobrindo o símbolo da Nike do uniforme nas fotos oficiais das Olimpíadas.

“A Marta tem propostas de patrocínio e tem um dos salários mais altos do futebol no seu time, o americano Orlando Pride. Mesmo assim, por tudo que ela já conquistou e pelo que ela representa hoje, deveria ganhar mais”, afirma Olga Bagatini. “Quando recusa os patrocínios, ela passa uma mensagem muito forte de que, para ela e para outras craques, o que as marcas têm para oferecer não é o suficiente e que ela não vai aceitar receber menos do que merece.”

A especialista em futebol feminino explica que as craques da seleção ganham bem, mas não chegam perto das fortunas que acumulam os homens que ganham a vida no futebol.

Ela afirma que a maioria das jogadoras profissionais do país precisam completar a renda do esporte com outro trabalho ou, pelo menos, ter uma profissão para garantir o sustento ao final da carreira de atleta — é o caso de Bárbara Micheline, goleira titular da seleção brasileira, que pediu dispensa de alguns jogos em 2019 para concluir a graduação em Enfermagem.

“Nesse momento, o objetivo do futebol feminino não é se igualar ao masculino em termos de salário, mas garantir que todas as jogadoras do país tenham carteira assinada, direitos trabalhistas e pagamentos dignos para que possam se dedicar ao esporte em tempo integral.”

Mônica Esperidião acrescenta que, ao recusar patrocínios, Marta também ajuda a “subir a régua” para as outras atletas, especialmente das próximas gerações. “Se eu começo um negócio com preços muito baixos, quem vai pagar a mais por isso? Eu desvalorizo o meu trabalho e dos outros do setor também. A Marta está justamente tentando inverter essa lógica”, explica.

*Com informações da UOL

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