“Olha bem no meu olho. Se você pedir para eu falar baixo mais uma vez, eu vou dar um tiro no meio da sua testa”. Foram essas palavras que levaram a advogada Camila Rezende da Cunha, 44, a procurar a Polícia Civil de São Paulo para tentar pôr fim a um histórico de violência doméstica, conforme boletim de ocorrência registrado por ela em dezembro de 2016.

Segundo o relato dela que consta do documento, a ameaça de seu então marido ocorreu em um restaurante e na frente da filha do casal, à época com 3 anos.

Desconhecido naquele tempo, o então marido da advogada era Carlos Alberto da Cunha, 43, o Delegado Da Cunha, policial que ganhou fama nas redes sociais com a divulgação de vídeos de operações.

Atualmente afastado do cargo, ele diz estar sendo perseguido pela cúpula da instituição porque, entre outros motivos, defende uma polícia menos truculenta e por respeitar todas as pessoas.

“Por volta das cinco horas [da madrugada], o autor lá esteve [em frente à casa da mãe de Camila] e, aos gritos, pedia para que a vítima saísse para conversar com ele. Telefonou inúmeras vezes para o celular da vítima, enviou inúmeras mensagens, inclusive áudios, ameaçando-a, dizendo que ela deveria sumir, porque ele iria matá-la”, diz trecho do boletim de ocorrência de ameaça, injúria e perturbação ao sossego alheio.

Relatos anteriores levados à Justiça, contudo, trazem dúvidas sobre esse ponto. De acordo com um processo judicial que tramitou em São Paulo, no dia 11 de setembro de 2014, moradores do bairro de Aparecida, em Santos, presenciaram Da Cunha agredindo a advogada Camila no meio da rua e, na briga, disparar uma arma de fogo.

Uma das testemunhas, Bianca Laino, moradora do bairro, disse ter ouvido gritos pouco depois das 23h e resolveu olhar pela janela.

Conforme ela testemunhou, o homem estava agredindo a mulher, no meio da rua, “com vários socos, sem a mulher reagir”. Durante as agressões, ainda segundo a testemunha, o agressor xingava a mulher de vagabunda, puta e prostituta. “Entra no carro que vou te matar”, teria dito o policial, conforme descreveu a testemunha em depoimento.

Outra testemunha, Monise Inque, disse à Justiça ter presenciado as agressões físicas. Segundo seu relato, assustou-se com a cena e, quando se afastava do local, ouviu um disparo de arma de fogo. A estudante também descreveu que as agressões foram com socos.

Policiais militares foram acionados por moradores para atender a agressão contra a advogada (além do disparo) e chegaram a tempo de evitar que a mulher fosse colocada dentro do carro.

Segundo eles, Da Cunha havia colocado a arma ao chão (uma pistola 9 mm) ao avistá-los, dizendo-se delegado e que havia disparado acidentalmente. A vítima, ainda de acordo com os PMs, fugiu correndo tão logo foi solta pelo marido.

Da Cunha foi detido e encaminhado à corregedoria nesse dia. Teve a arma e o veículo apreendidos e respondeu a processo judicial pelo disparo de arma de fogo em via pública. O delegado alegou que o disparo foi acidental, quando bateu a arma sobre o teto do carro na discussão com Camila. O argumento prevaleceu na Justiça, e o delegado foi absolvido.

Nessa época, a advogada disse a policiais que já havia histórico de violência porque, por várias vezes, foi chamada pelo marido de “vagabunda, puta e biscate” e que o marido dizia, para ofendê-la, que ela havia dado “a buceta para todo mundo”, conforme documentos obtidos pela Folha.

As queixas de ameaça e injúria não prosperaram na Justiça porque a vítima não quis representar criminalmente o delegado. O Tribunal de Justiça de São Paulo disse não poder informar se foram concedidas medidas protetivas a Camila, por serem dados sigilosos.

Internamente, o delegado Da Cunha foi punido com advertência pela ocorrência de setembro de 2014, mas a decisão da pena acabou prescrevendo. Não houve punição para o caso de dezembro 2016.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que os dois casos foram investigados, mas não detalhou os desfechos das apurações.

Conforme o boletim de ocorrência registrado por Camila, aquela não tinha sido a primeira vez que era ameaçada por ele —por isso, solicitava medidas protetivas urgentes. Segundo o documento, ela temia por sua integridade física porque o marido havia feito novas ameaças durante a madrugada.

Procurada, Camila respondeu: “Vocês estão tentando denegrir a imagem de um homem íntegro, que é um ser humano excepcional, além de ser um pai exemplar.”

Deixe uma resposta